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domingo, 17 de abril de 2011

Orquestra Sinfônica Brasileira está em guerra contra maestro autoritário

Orquestra Sinfônica Brasileira está em guerra contra maestro autoritário

Redação do DIARIODEPERNAMBUCO



O mais tradicional conjunto sinfônico do Brasil enfrenta momentos de turbulência: a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), fundada em 1940, está em pé de guerra por uma disputa entre boa parte de seus instrumentistas e o atual regente e diretor artístico, Roberto Minczuk. A crise começou no início do ano, quando a OSB anunciou que os instrumentistas seriam submetidos a audições periódicas com o objetivo de avaliar a qualidade de seu desempenho. Segundo Minczuk, a iniciativa teria o objetivo de promover o aperfeiçoamento da orquestra, permitindo conhecer as deficiências de cada artista e propor estratégias para sua correção. Segundo os músicos, a proposta esconderia algo mais grave: a possibilidade de demissões políticas disfarçadas de decisões técnicas ou artísticas.

Poderia ser apenas mais um dos inumeráveis incidentes no gênero se não vivêssemos em 2011, reinado dos blogs e das redes sociais. A crise virou tema nos blogs de músicos brasileiros, como o também regente John Neschling, ganhou símbolos de luto nas páginas dos instrumentistas da OSB, ganhou as páginas da imprensa e acabou resultando num inédito protesto no último sábado, quando as vaias da plateia a Minczuk levaram ao cancelamento de um concerto no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e a uma improvisada apresentação dos músicos na calçada diante da sala de espetáculos.

Situações como essa pegam de surpresa músicos e espectadores. Boa parte dessa surpresa se deve, talvez, ao fato de que idealizamos orquestras, instrumentistas, regentes e a relação entre eles como se sempre houvessem existido da maneira como os conhecemos. E isso não é verdade. Como qualquer outra criação humana, as orquestras e as funções artísticas que as integram são objetos históricos. A função de regente, por exemplo, surge vagarosamente ao longo do século 18 e cresce em importância no século 19. Paralelamente, havia também uma necessidade simbólica: a valorização do regente legitimava a orquestra num momento em que a ideia de “autor” começava a se tornar forte, ou seja, as orquestras, para se afirmar, precisavam ter estilo e cara próprias.


A ideia do “maestro ditador” (categoria a que Roberto Minczuk vem sendo acusado de pertencer) também é historicamente datada. Os grandes “ditadores” da história da música são contemporâneos dos “grandes ditadores” na política. Quando um regente ungido pela crítica e o público reinava autocraticamente sobre um conjunto sinfônico e, frequentemente, sobre um teatro, contratando e demitindo músicos a seu bel-prazer, modificando partituras consideradas clássicas, ou impondo regimes de trabalho opressivos, não agia de maneira muito diferente da que era usada na administração de países. E isso não tinha nada a ver com uma opção política: o italiano Arturo Toscanini, por exemplo, que depois da juventude se tornou um crítico fervoroso do fascismo de Mussolini, dirigia suas orquestras com a mesma mão de ferro com que seu desafeto conduzia os destinos da Itália.

Justiça seja feita, nem sempre um regente mais forte ou mesmo autoritário é chamado de ditador por seus músicos. O alemão Herbert von Karajan se tornou exemplo ótimo da disjunção entre as duas ideias. Mesmo os que mais o criticavam costumavam confiar no fato de que as decisões do regente, artísticas ou administrativas, resultavam no excelente desempenho artístico de conjuntos como a Filarmônica de Berlim. Guardadas as devidas proporções, nossa Orquestra Sinfônica de Minas Gerais enfrentou pelo menos uma situação análoga, quando foi conduzida por Aylton Escobar. Nos bastidores, era frequente que os músicos reclamassem dos excessos do regente, bem mais rígido – e ríspido – que a maioria dos outros maestros que o conjunto já teve. Mas a maioria dos instrumentistas apoiava Escobar, não apenas pelo resultado musical, mas também pela bravura com que defendia a orquestra e seus músicos.

Voltando à história – é possível que as velhas relações hierárquicas das orquestras, forjadas na época das ditaduras fascistas, da Guerra Fria ou do mundo bipolar, estejam a se tornar anacronismos em nossa era de comunicação e mobilização em rede, processos colaborativos de criação, gestão compartilhada. O affair OSB pode ser apenas a primeira manifestação, no Brasil, da urgência de novas estruturas para os conjuntos sinfônicos. Em outros países, isso já foi percebido há muito tempo: afinal, já faz décadas que os músicos de conjuntos como a Filarmônica de Berlim participam ativamente de decisões que vão da seleção de repertório à escolha de seus regentes.

Por Marcello Castilho Avellar, do Estado de Minas

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